A possibilidade de um ataque nuclear da Rússia voltou ao debate internacional após uma ousada ofensiva da Ucrânia com drones, que atingiu bombardeiros estratégicos em solo russo. O episódio gerou reações imediatas dentro e fora do Kremlin, reacendendo a discussão sobre a doutrina de uso de armas nucleares por Moscou. Embora a retórica bélica tenha se intensificado, especialistas em geopolítica e defesa avaliaram que a chance de um ataque nuclear da Rússia continua sendo extremamente remota, mesmo diante das crescentes pressões internas por retaliação. Ainda assim, o contexto atual da guerra eleva o nível de preocupação entre os países da OTAN e demais observadores internacionais.
A ofensiva da Ucrânia, segundo o próprio governo ucraniano, destruiu mais de 40 aeronaves, enquanto os Estados Unidos estimam que cerca de 20 foram atingidas, com ao menos 10 bombardeiros eliminados. Essa ação gerou uma série de manifestações de blogueiros e apresentadores russos exigindo uma reação severa, inclusive nuclear. Apesar da escalada retórica, os analistas afirmam que o uso de armas nucleares pela Rússia implicaria em isolamento diplomático irreversível, além de consequências catastróficas para o próprio território russo e seus aliados.
A doutrina nuclear atualizada da Rússia estipula critérios claros para o uso desse tipo de armamento, como ataques a infraestruturas militares consideradas críticas. No entanto, o ataque com drones ucranianos, embora significativo, não parece cumprir os pré-requisitos estratégicos para justificar um ataque nuclear da Rússia. O pesquisador Vitelio Brustolin, da Universidade Federal Fluminense, avalia que o emprego de armas nucleares táticas não resultaria em benefícios militares relevantes, e apenas isolaria ainda mais o país de Vladimir Putin no cenário global.
Para o professor Leandro Consentino, do Insper, o impacto geopolítico de um ataque nuclear da Rússia seria devastador. O professor relembra que mesmo nos momentos mais tensos da Guerra Fria, o equilíbrio entre as potências sempre evitou uma escalada nuclear direta. Consentino aponta ainda que a atual dinâmica global, com maior interdependência entre as nações, torna essa opção ainda menos viável. Além disso, China e Índia, dois aliados estratégicos do Kremlin, já se posicionaram contra qualquer tipo de escalada atômica, o que limita ainda mais as opções de Putin.
Outro ponto crítico apontado pelos especialistas é a radiação que se espalharia em caso de um ataque nuclear da Rússia. Dependendo do local atingido, os ventos e as chuvas poderiam carregar partículas radioativas para além das fronteiras ucranianas, alcançando países europeus da OTAN e até partes do território russo. O exemplo mais emblemático dessa possibilidade ainda é o desastre de Chernobyl, cujas consequências radioativas afetaram uma vasta região da Europa. Um novo episódio semelhante seria suficiente para provocar reações militares por parte da aliança ocidental, situação que Moscou certamente deseja evitar.
Mesmo diante da pressão popular e de figuras da mídia estatal russa, o governo de Vladimir Putin continua a utilizar a ameaça de um ataque nuclear da Rússia como uma ferramenta de dissuasão. Essa estratégia serve para tentar impedir que adversários tomem decisões que possam comprometer a integridade territorial da Rússia ou reduzir sua influência na guerra. Contudo, o uso real dessa ameaça segue sendo improvável, ainda que retoricamente explorado para manter o medo no tabuleiro internacional.
A resposta mais plausível ao ataque ucraniano, segundo especialistas, será convencional. A Rússia já demonstrou poderio militar significativo com o uso de bombas de fragmentação, armas termobáricas e mísseis balísticos hipersônicos, como o “Oreshnik”, apresentado em novembro de 2024. Além disso, a intensificação dos ataques a infraestruturas críticas da Ucrânia, como instalações elétricas e sistemas de transporte, pode ser a via preferida por Moscou para dar uma resposta firme sem escalar para um nível nuclear.
Com base nas análises disponíveis, a chance de um ataque nuclear da Rússia se manterá como uma possibilidade teórica mais do que prática. O peso geopolítico de uma decisão dessa magnitude torna essa alternativa altamente improvável, mesmo com pressões internas crescentes. No entanto, a continuidade do conflito e a ampliação das ações ofensivas podem manter a ameaça viva no discurso, mesmo que ela jamais se concretize de forma efetiva. O mundo segue atento a cada movimentação no tabuleiro geopolítico, esperando que a razão e a diplomacia prevaleçam sobre a destruição nuclear.
Autor: Floria Paeris