O material, inicialmente projetado para aplicação em humanos, foi enviado nesta semana pelo Laboratório Nacional de Nanotecnologia Aplicada às áreas Nuclear e Correlatas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Nuclear-Nano/CNEN) para a cidade de Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre.
FELIPE PRESTES
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Quinze cavalos atingidos pelas recentes chuvas no Rio Grande Sul sofreram lesões graves na pele, alguns deles com quase metade de todo o órgão atingido. Três deles não resistiram e morreram. Para tratar os demais, veterinários testam um curativo em forma de gel, com nanopartículas de prata, produzidas por radiação.
O material, inicialmente projetado para aplicação em humanos, foi enviado nesta semana pelo Laboratório Nacional de Nanotecnologia Aplicada às áreas Nuclear e Correlatas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Nuclear-Nano/CNEN) para a cidade de Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre.
O lote teve como destino a Clínica Guadalupe, que recebeu os 15 cavalos retirados de uma área atingida no município de Eldorado do Sul. “A imersão durante um longo período provoca uma diminuição no fluxo do sangue. Sem sangue, o tecido necrosa e a pele cai”, relata o veterinário Guilherme Alberto Machado, proprietário do local.
O coordenador do NuclearNano, Ademar Benévolo Lugão, diz que a forma de gel é um dos diferenciais do curativo em relação a modelos comuns, como a gaze, que grudam na pele e provocam novas feridas.
“Você tipicamente lava as feridas e coloca uma gaze seca por cima”, explica ele. “Só que isso é uma técnica muito antiga. Se a ferida, por exemplo, tem sangue, fluidos, essa gaze gruda na ferida e você cria uma nova ferida cada vez que for trocar o curativo. Então, há algumas décadas se descobriu que uma superfície úmida, que não adere à ferida, propicia uma cura mais rápida.”
Além de oferecer os benefícios da umidade, o curativo desenvolvido pelo NuclearNano tem nanopartículas de prata, que atuam como antisséptico e anti-inflamatório. A radiação serve ainda para esterilizar os curativos. Todos os três processos (transformação de líquido em gel, produção de nanopartículas de prata e esterilização) são feitos com a mesma irradiação. “Um processo que teria várias etapas, fazemos tudo isso em uma operação só. Então, o custo é muito baixo”, afirma Lugão.
O curativo será utilizado pela primeira vez em cavalos e está em fase de testes clínicos para aplicação em humanos. O coordenador do NuclearNano afirma acreditar que, quando for produzido em escala industrial, poderá ter baixíssimo custo. “A gente pensou em um curativo que o SUS possa se interessar e possa ser amplamente distribuído.”
Os hidrogéis são irradiados no Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), unidade da CNEN na Cidade Universitária, na zona oeste paulistana. O processo é como se fosse o de fazer uma gelatina, afirma Lugão. “A gelatina é líquida e quando esfria gelatiniza. No nosso caso, temos um líquido (formado por 90% de água, cerca de 9% de PVP (polivinilpirrolidona) e o restante por ágar-ágar, uma substância gelatinosa) que gelatiniza após irradiação, pois a radiação promove a reticulação molecular, ou seja gelatinização.”
Um médico veterinário gaúcho que atua na USP foi quem entrou em contato com os colegas da Clínica Guadalupe, sugerindo a utilização. Veterinários de Nova Santa Rita e os cientistas do NuclerNano devem manter contato constantemente, para que sejam feitos ajustes até que o curativo se torne o mais adequado possível para os equinos.
“Neste momento enviamos cem placas, de 100 cm² cada, para saber o resultado, se vão, de fato, ajudar. A gente tem condições de modificar a placa de hidrogel para configurações mais adequadas, os veterinários darão o retorno, se precisam que seja mais forte, mais grossa, que tenha mais prata, o PH mais neutro ou mais ácido”, exemplifica Lugão. “Os testes clínicos são feitos dentro de protocolos de ética, que envolvem o consentimento esclarecido dos pacientes. Nesse caso, dos tutores.”
“Estou com uma esperança muito grande nesse curativo, por ser úmido, à base de água, e permitir que eu coloque outras medicações junto com ele. E não vai colar na pele, diminuindo a dor nos animais”, afirma Machado.
Lugão diz que poder ajudar os animais atingidos pela tragédia climática motiva todos os pesquisadores do laboratório. “É realmente um prazer enorme quando a gente vê que contribui para o bem-estar da sociedade. Isso mostra a importância do trabalho, motiva os estudantes, motiva que trabalhem com mais afinco, é estimulante. O grupo já está propondo novos curativos, é um círculo virtuoso.”