A fuga da deputada Carla Zambelli do Brasil reacendeu o debate jurídico e político sobre as implicações do tratado de extradição entre Brasil e Itália. Após ter sua prisão preventiva decretada pelo Supremo Tribunal Federal, Zambelli deixou o país antes mesmo do pedido formal da Procuradoria-Geral da República. O destino final alegado pela parlamentar é a Europa, e embora ela não tenha especificado o país, declara possuir cidadania italiana, o que complica o cenário jurídico de uma eventual repatriação. O episódio levanta questões sobre soberania, jurisdição e a aplicabilidade de tratados internacionais frente à política doméstica.
O tratado de extradição entre Brasil e Itália está em vigor desde 1993 e já foi usado em diversos casos ao longo das últimas décadas. Segundo esse acordo, os dois países se comprometem a entregar cidadãos procurados para fins de julgamento ou cumprimento de pena. No entanto, existem cláusulas que flexibilizam ou até impedem a extradição dependendo de fatores como o tipo de crime, a existência de dupla cidadania e possíveis riscos à integridade física ou aos direitos fundamentais da pessoa acusada. Esses elementos jurídicos estão agora no centro das atenções com o caso de Carla Zambelli.
O tratado determina que a extradição é obrigatória quando o crime em questão é reconhecido pelas leis dos dois países e tem pena superior a um ano de prisão. Além disso, se a pessoa já começou a cumprir pena, é necessário que ainda reste pelo menos nove meses de reclusão a serem cumpridos. No caso da deputada Carla Zambelli, condenada a dez anos de prisão por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça, os critérios mínimos para solicitar extradição estariam formalmente preenchidos. Porém, a situação se complica pelo fato de ela ter dupla cidadania.
A existência de dupla cidadania é um dos pontos mais sensíveis no tratado de extradição entre Brasil e Itália. Segundo o acordo, se o indivíduo procurado for cidadão dos dois países, a extradição torna-se uma decisão facultativa. Isso significa que a Itália pode recusar o pedido brasileiro com base nesse critério e optar por processar o caso dentro de sua própria jurisdição. Dessa forma, Carla Zambelli poderia evitar ser entregue às autoridades brasileiras, caso a Itália entenda que deve tratá-la como uma cidadã italiana sujeita apenas às suas leis e tribunais.
Outro ponto que pode interferir no processo de extradição é a possibilidade de o país requerido alegar que o condenado corre risco de perseguição política ou não terá garantias de defesa adequada. Esse tipo de argumento, embora questionável no contexto de um país democrático como o Brasil, já foi utilizado em casos anteriores para impedir a entrega de acusados. Além disso, o tratado impede a extradição em situações que envolvam tribunais de exceção ou crimes exclusivamente militares, o que não se aplica diretamente ao caso de Carla Zambelli.
Mesmo com todos esses aspectos legais, o fato é que o nome da deputada Carla Zambelli já foi incluído na lista vermelha da Interpol, que reúne foragidos internacionais. Essa medida, tomada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, visa facilitar a detecção e prisão de Zambelli em território estrangeiro. Além disso, foram determinados o bloqueio de seus passaportes, a suspensão de seu salário parlamentar e a derrubada de seus perfis em redes sociais. O cerco jurídico está montado, mas sua eficácia dependerá da colaboração internacional.
A resposta da Itália ainda é incerta, mas há precedentes que podem ser levados em conta. Em casos anteriores, como o do publicitário Henrique Pizzolato durante o escândalo do mensalão, o governo italiano inicialmente se recusou a extraditá-lo, mesmo ele tendo dupla cidadania. No entanto, após longa negociação diplomática e jurídica, a extradição acabou sendo concretizada. Isso mostra que, embora o processo possa ser demorado e politicamente sensível, não é impossível que Zambelli retorne ao Brasil sob custódia.
O caso de Carla Zambelli também tem desdobramentos políticos importantes. Trata-se de uma deputada federal em pleno exercício do mandato, condenada por um crime grave, que agora se encontra em condição de foragida internacional. O episódio coloca pressão sobre o Congresso Nacional, que terá de lidar com a ausência prolongada da parlamentar, e sobre o Executivo, que deverá coordenar com a diplomacia italiana os próximos passos. Além disso, levanta uma discussão ampla sobre a responsabilização de agentes públicos que tentam escapar da justiça usando brechas legais.
Autor: Floria Paeris